Pensamentos Soltos... Instantes...

"Nós somos dos tecidos de que são feitos os sonhos"

Shakespeare, William

24/03/2007

I Believe I Can Fly...


I used to think that I could not go on
And life was nothing but an awful song
But now I know the meaning of true love
I'm leaning on the everlasting arms

If I can see it.....Then I can do it
If I just believe it.....There's nothing to it
I believe I can fly.....I believe I can touch the sky
I think about it ev'ry night and day.....Spread my wings and fly away
I believe I can soar.....See me running through that open door
I believe I can fly....I believe I can fly.....I believe I can fly

See I was on the verge of breaking down
Sometimes silence can seem so awful loud
There are miracles in life I must achieve
But first I know it starts inside of me

If I can see it.....Then I can do it
If I just believe it.....There's nothing to it
I believe I can fly.....I believe I can touch the sky
I think about it ev'ry night and day.....Spread my wings and fly away
I believe I can soar.....See me running through that open door
I believe I can fly....I believe I can fly.....I believe I can fly

Words and Music By R.Kelly

A alegria mora no segundo piso...

Conta-se nas vidas de Buda a história de um homem que foi ferido por uma flecha envenenada e que, antes de lhe arrancarem a flecha, exigiu que lhe respondessem a três questões: quem a disparou, que tipo de flecha era, e que tipo de veneno lá tinham colocado. E claro que o homem morreu antes de terem respondido às três perguntas. Comenta Buda que "se insistimos em entender a dor antes de aceitar o remédio, então as infinitas enfermidades que sofremos acabarão connosco antes de as nossas mentes serem satisfeitas".
As perguntas daquele homem são certamente disparatadas. E, no entanto, são as mais correntes diante do problema da dor: o homem gastou muito mais tempo a perguntar porque sofremos do que a combater o sofrimento.
Escreveram-se centenas de livros à procura de uma resposta para este "porquê". Todos nos deixam insatisfeitos. Procuram esclarecê-lo os filósofos, os religiosos. Por fim todos são obrigados a confessar - como faz João Paulo II na sua enciclica sobre o tema - que "o sentido do sofrimento é um mistério, pois estamos conscientes da insuficiência e inadequação das nossas explicações". Há, sim, algumas respostas que nos aproximam das entranhas do problema, mas acabamos por não entender porque é que sofrem os inocentes, e porque é que os maus parecem triunfar frequentemente. Talvez nenhuma outra questão tenha gerado mais ateus nem provocado tantas rebeldias e tantas blasfémias contra o céu.
Parece que deveríamos perguntar se não seria melhor começar por esclarecer outras questões nas quais podemos avançar muito mais: se não entendemos o "porquê" da dor, tratar de encontrar algumas respostas que nos aproximem do âmago do problema, e entender ao menos o seu sentido. Ou perguntar: Como combatê-la? Como diminuir a dor? Como convertê-la em alguma coisa útil? Que fazer com ela para que não nos destrua? Como poderemos conviver com ela, já que não sabemos evitá-la? Avançando com respostas parciais, não teremos esclarecido muito mais a questão do que quebrando a cabeça a olhar só o reverso do tapete do mundo em que meia realidade nos escapa?
Pediria por isso aos meus leitores que dessem o primeiro passo na descoberta de que a dor é a herança de todos os seres humanos, sem excepção. Porque talvez o maior dos perigos do sofrimento seja começar a convencer-nos de que somos nós os únicos a sofrer ou, em todo o caso, os que mais sofremos. Uma simples dor de dentes leva-nos a pensar que somos a vítima número um do mundo. Se um telejornal nos fala de uma catástrofe em que morreram cinco mil pessoas, pensamos e sentimos compaixão por elas durante dois ou três minutos. Mas se nos dói o dedo mindinho, ficamos a queixar-nos durante vinte e quatro horas por dia. Sair de si mesmo é sempre muito difícil. Sair do nosso próprio sofrimento é quase um milagre. E deveríamos começar por aí.
Conta-se também na vida de Buda que um dia foi ter com ele uma mulher que levava nos braços um filho morto. Gritava pedindo que lho curasse, enquanto os que a rodeavam pensavam que aquela pobre louca não via que o menino estava morto. Buda disse então à pobre mulher que o filho ainda se podia curar, mas que para isso precisava de umas sementes de mostarda que tivessem sido colhidas numa casa em que nos últimos anos não tivesse morrido nenhum filho, nem irmão, nem amigo ou parente, e na qual não se tivesse sofrido nenhuma grande dor. A mulher saltou de alegria e precipitou-se a correr a cidade à procura dessas milagrosas sementes de mostarda. E começou a bater de porta em porta. Numa tinha morrido o pai, noutra alguém enlouquecera, noutra estava doente um dos filhos, noutra havia um velho paralítico. Caía a noite quando a mulher regressou a Buda com as mãos vazias. Já não voltou a pedir a cura do filho. Porque tinha o coração em paz.
Não gosto desse refrão que diz que "mal de muitos, consolação de loucos". Eu diria antes "mal de muitos, serenidade do homem". Porque se deve combater a dor, sim, mas sabendo que é parte da nossa condição humana, da nossa finitude de seres incompletos. Aprender que os grandes personagens felizes da História não o foram "porque não sofreram", mas "apesar de terem sofrido". Porque a alegria não mora numa habitação distante da dor, mas no andar de cima do sofrimento.

José Luís Martín Descalzo, Razões para a alegria.

03/03/2007